Entrevista
Rubem Alves
Um dos mais
importantes educadores brasileiros fala sobre a escola de hoje, a relação
aluno-professor e uma alternativa para o vestibular. "Proponho
sorteios", afirma
Rubem Alves é um consagrado escritor
brasileiro, autor de livros como A Escola Com Que Sempre Sonhei e Ao Professor,
Com o Meu Carinho. Importante pensador e crítico da Educação do nosso país,
questiona o modelo clássico de ensino, no qual o professor se preocupa apenas
em passar conteúdos aos seus alunos. "Esse modelo não funciona mais. [...]
É preciso saber quais perguntas os alunos estão fazendo. O ensino tem a ver com
a capacidade de fazer perguntas. Isso desenvolve a inteligência", defende.
Para o também psicanalista e professor emérito da Unicamp, as escolas de hoje
em dia estão muito desinteressantes, sobretudo porque não estão lidando com
questões cruciais da vida das crianças, ou seja, não estão aproveitando o seu
entorno. "As crianças têm interesse por aquelas coisas ao alcance de suas
mãos. Não adianta trabalhar com abstrações", explica.
Defensor convicto do fim do vestibular, Rubem Alves propõe uma forma
alternativa de selecionar alunos que querem ingressar numa universidade.
"Eu proponho sorteios", radicaliza o educador, que logo explica:
"Seria um exame nacional, do tipo Enem, para ver se os alunos atingem o
mínimo de conhecimento. O exame teria, portanto, duas notas: passou ou não
passou. Aqueles que tivessem passado por essa fase, iriam para o sorteio".
Mas por que um sorteio? Segundo ele, para eliminar a questão das cotas, uma vez
que as minorias discriminadas teriam tanta chance quanto qualquer outro aluno.
"As cotas criam muita raiva entre os que entraram assim e quem entrou por
esforço próprio", finaliza.
Veja a seguir entrevista completa.
1. A escola hoje em dia é muito
diferente para a criança?
Rubem Alves: A escola é chatíssima. Isso explica o desinteresse das crianças. Para se
aprender, a gente tem que lidar com aquelas questões que são cruciais para a
vida. As crianças têm questões que são cruciais para a vida delas. A escola não
está lidando com elas. Não tendo interesse da escola, não há mágica para que os
professores convençam os alunos a estudar. Com honrosas exceções - tem gente se
esforçando para mudar isso - a norma é que as escolas são chatas.
2. O que as crianças
deveriam aprender na educação básica?
Rubem Alves: O que deveria determinar o programa é o entorno da pessoa que vai
aprender. Eu tenho de aprender o meu entorno. Veja uma coisa interessante: eu
descobri que as crianças muito pequenas fazem mapas. Uma criança de dois anos
faz mapas, o que é um negócio complicado. Na sua casa, ela não anda feito
barata tonta, mas sabe perfeitamente qual corredor dá na sala, que dali você
sai para a cozinha. Então ela está aprendendo o seu entorno, que é o círculo vital
da criança.
3. A casa é um ambiente ideal para a
aprendizagem?
Rubem Alves: Sim. Eu imaginei um programa que tomasse a casa como laboratório. Por
exemplo, na sala, você aprende ângulos, linhas, proporções. Na cozinha, você
aprende química. No banheiro, há lições fantásticas de ecologia, de ambiente.
Eu aprendi isso viajando com meus filhos. Eles não tinham o menor interesse
pelos cenários maravilhosos que passavam pela janela. Tinham interesse por eles
mesmos no banco de trás, um brigando com o outro. As crianças têm interesse por
aquelas coisas ao alcance de suas mãos. Não adianta trabalhar com abstrações.
Eu fiz um livro que as crianças adoram chamado "Vamos construir uma
casa?".
4. O concreto torna a aprendizagem
mais agradável?
Rubem Alves: Muito mais agradável. Você vê as coisas, faz as coisas. Eu falo isso a
partir da minha própria experiência. Quando era menino, aprendi a usar todas as
ferramentas de casa. Pegue a questão da física, por exemplo. As fórmulas da
força, da velocidade, da aceleração são uma abstração total. Se você pegar um
prego, colocar sobre uma tábua, puser um martelo em cima e perguntar para uma
garotinha: vai martelar? Ela vai dizer: não, precisa bater. Quando ela diz
precisa bater, está anunciando a lei. A força é massa vezes aceleração. Então,
eu penso em ensinar física mecânica com a caixa de ferramentas, que é uma coisa
que tem na casa. Por que não se trabalham os materiais que existem numa casa?
5. A escola como único ambiente
educacional é limitante ao aluno?
Rubem Alves: Em São Paulo, há um exemplo típico disso: o projeto Aprendiz, do
Gilberto Dimenstein. As crianças aprendem nas ruas, nas coisas que estão ao
redor dela. Uma das razões para você ter escola é a razão administrativa. É um
lugar onde você põe a carneirada toda e trabalha com todos eles ao mesmo tempo.
Não é uma razão pedagógica. Agora se você quer aprender sobre a fazenda, tem
que ir até lá, colocar a mão na terra, mexer com as plantas. É preciso ir ao
lugar para conhecer, porque a escola, querendo ou não, é um ambiente
artificial. A vida não está acontecendo lá.
6. Os professores deveriam ouvir mais
os alunos e não apenas impor aquilo que está na grade curricular?
Rubem Alves: O Bruno Bettelheim foi um dos grandes educadores do século passado.
Quando estava bem velho, numa entrevista, disse que os professores na escola
dele tentavam ensinar aquilo que eles queriam ensinar, do jeito que eles
queriam ensinar, mas ele não queria aprender. O aluno precisa se sentir
respeitado pelo professor. É uma questão fundamental. A minha imagem de
professor é ele falando e os alunos quietos. O professor está sempre dizendo
"silêncio, silêncio". É preciso saber quais perguntas os alunos estão
fazendo. O ensino tem a ver com a capacidade de fazer perguntas. Isso desenvolve
a inteligência. Seria bom que isso fosse ensinado nas faculdades de pedagogia e
educação.
7. Como preparar melhor o professor?
Rubem Alves: A alma de tudo é o professor. Não adianta programas novos, novas leis,
se o professor tiver a cabeça velha. Em nosso modelo clássico, o professor é
aquele que sabe a matéria. Ele vai cobrar a matéria. Esse modelo não funciona
mais. O professor tem que ser aquele que pergunta, que está junto com os
alunos. Não dá respostas, mas provoca os alunos para ver se eles pensam por conta
própria.
8. O sistema de repetência nas
escolas é eficiente?
Rubem Alves: Repetir um ano inteiro porque você fracassou em uma disciplina, ou duas,
é um castigo muito grande, você não acha? Não tem o menor sentido. Mas eu não
concordo com o sistema de aprovar todo mundo, de qualquer maneira. Apesar
disso, o sistema de repetência é cruel e antipedagógico, além de causar
irritação nos alunos.
9. Como incentivar a leitura em uma
criança?
Rubem Alves: Às vezes as pessoas me perguntam o que fazer para adquirir o hábito da
leitura. Eu digo nada, porque hábito tem a ver com escovar dente, cortar unha,
tomar banho. É algo que você faz mecanicamente. É preciso, no entanto,
desenvolver o prazer da leitura. Eu tive um professor de literatura, um sujeito
extraordinário, que chegou na classe um dia e falou: vocês não precisam se
preocupar com presença, quem não quiser assistir aula, não precisa. Ninguém se
preocupe com passar de ano, todos vocês já passaram de ano. E por fim,
completou: agora que essas questões irrelevantes foram resolvidas, vamos tratar
do que importa, que é a literatura.
Ele não ensinava as escolas literárias, análise sintática. Contava as grandes
histórias da literatura mundial, com uma paixão comovente. Ele nunca pediu para
a gente ler. Eu só me dei conta disso depois de velho. Ele sabia que, se a
gente fosse ler, ia odiar a literatura por uma razão muito simples: não
sabíamos ler. A gente sabia juntar letras. A minha sugestão é que os professores
leiam para os alunos. Assim eles vão ter prazer pela leitura. Ler é uma arte
tão complicada quanto tocar piano. O professor tem que dominar a técnica da
leitura para surfar em cima das palavras. É preciso que as prefeituras
organizem programas de leituras.
10. Você concorda com os livros que
normalmente são indicados para o vestibular?
Rubem Alves: Quando você diz que um livro vai ser objeto de exame, já estragou a
leitura do livro. A leitura é um exercício de vagabundagem. O aluno não pode
ficar tomando anotações e pensando o que vai cair na prova. Outro problema é
que quando fazem as listas de livros para o vestibular, começam a surgir
resumos das obras. Em vez de ler o livro, o aluno lê o resumo. É a mesma coisa
de fazer um resumo da Nona Sinfonia. Um livro não pode ser resumido.
11. Você já chegou a defender o fim
do vestibular. Qual seria a alternativa para o aluno ingressar numa
universidade?
Rubem Alves: Agora está aparecendo uma alternativa, eu fiquei muito feliz com isso.
Mas a minha proposta é um pouco mais radical. Eu proponho sorteios. Seria um
exame nacional, do tipo Enem, para ver se os alunos atingem o mínimo de
conhecimento, sem ser classificatório. O exame teria, portanto, duas notas:
passou ou não passou. Aqueles que tivessem passado por essa fase, iriam para o
sorteio. O sorteio eliminaria a questão de cotas porque as minorias
discriminadas teriam tanta chance quanto o outro. As cotas criam muita raiva
entre os que entraram assim e quem entrou por esforço próprio. Se houver
sorteio, esse problema não existirá.
12. E quem não for sorteado?
Rubem Alves: Isso é inevitável. Alguns vão ficar de fora. E vai haver injustiça, mas
uma injustiça menor do que a que existe agora. A que existe agora começa pela
deformação do processo de pensamento.
Pais e professores precisam se queixar menos e cooperar
mais para sucesso acadêmico das crianças e adolescentes
A relação
entre pais e professores está longe de ser harmoniosa. E o problema não está
circunscrito ao Brasil. Em 2011, o professor americano Ron Clark publicou um artigo em tom de desabafo no site da
rede de TV CNN intitulado "O que os professores realmente querem dizer aos
pais". O texto se tornou o segundo mais compartilhado no Facebook naquele
ano e encorajou o debate: afinal, por que há tantos conflitos entre
família e escola? A psicóloga australiana Kimberley O'Brien, especialista no tema escola
e família, dá pistas para a solução do problema: "Uma relação saudável
exige tempo e dedicação de pais e professores, mas nem sempre ambos estão dispostos
a fazer esse investimento", diz a especialista, que está no Brasil para
participar do congresso Educar/Educador, em São Paulo.
"Os dois lados, pais e professores, precisam entender que os esforços têm
de ser compartilhados. Com mais trabalho e menos reclamação, os resultados
aparecem." Confira a seguir a entrevista que a psicóloga concedeu ao site
de VEJA.
Afinal, por que a
relação família-escola é tão desgastada? Uma relação saudável exige tempo e
dedicação de pais e professores, mas nem sempre ambos estão dispostos a fazer
esse investimento. Muitas vezes, os pais esperam que a escola estabeleça as
vias desse relacionamento, mas os professores não podem fazer isso sozinhos por
falta de tempo e recursos. Minha experiência profissional mostra o quanto esse
impasse pode gerar stress, fadiga e uma lista interminável de reclamações. Os
dois lados precisam entender que os esforços têm de ser compartilhados. Com
mais trabalho e menos reclamação, os resultados aparecem.
O que a ciência diz
sobre a participação da família no processo educacional de crianças e
adolescentes? As pesquisas no campo da psicologia emocional mostram que deve haver
consistência no relacionamento entre escola e família para que a criança sinta
que existe estabilidade nos dois campos. A ligação do estudante com o ambiente
escolar aumenta quando há envolvimento dos pais em atividades como leitura e
deveres de casa em geral. Quando o irmão mais novo assiste à participação dos
pais nas atividades escolares do mais velho, se sente muito mais seguro de ir
para a escola pela primeira vez. Já os jovens que sentem que seus pais
interagem com seus professores têm menos chances de largar a escola e, assim,
ganham motivação.
Quais as consequências
quando a relação entre família e escola desanda? Ao contrário do que
se possa imaginar, as crianças e adolescentes detectam muito rapidamente quando
pais e professores entrem em conflito. Se o jovem sente que sua família não
está comprometida com a escola ou com os docentes, passa a questionar sua
dedicação à instituição. Isso afeta seu desempenho escolar e sua relação com o
ambiente escolar.
O que pode ser feito
por parte dos pais para evitar situações como essa? Em primeiro lugar,
eu sempre recomendo aos pais muita pesquisa antes de escolher a escola em que
seus filhos vão estudar. Eles precisam estar bastante seguros de que aquela é a
unidade que se enquadra em suas expectativas. Isso minimiza muito as chances de
conflitos ao longo da vida acadêmica. Se, mesmo assim, as divergências aparecerem,
a orientação é procurar a direção da escola e os professores para uma conversa
franca. Trocar o filho de escola não é recomendado em situações como essa. Deve
ser o último recurso a ser considerado pelos pais.
Como devem agir os
professores? É necessário estabelecer um canal confiável de comunicação. Para isso, é
preciso criar oportunidades de encontro semanais, por exemplo, para oferecer
suporte às famílias. Muitas escolas acham que isso toma muito tempo, mas os
benefícios no longo prazo são comprovados. Outra técnica muito pouco praticada
é dividir tarefas entre os estudantes. Quando o professor dá para a criança uma
responsabilidade, como desligar os computadores da sala ou zelar pelo material
esportivo, isso aumenta o sentimento de orgulho por parte dos pais e ajuda a
aumentar a confiança que a família deposita na escola.
Melhorar as relações
entre família e escola é uma preocupação universal? Certamente. Em
todos os cantos do mundo, os pais tiram seus filhos de casa para enviá-los à escola.
Em alguma medida, esse conflito aparece em todos os países.
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